CIDADANIA Jovem infrator se aproximou das letras em oficinas no Case de Jaboatão e aceitou desafio de escrever a própria história. Ontem, apresentou a obra em workshop
Ciara Carvalho – ciaracalves@gmail.com
“Disseram que eu ia sair pior. Que eu ia continuar sendo a mesma pessoa de antes. A turma não diz que quem vai preso sai sempre pior? Pois eu mudei. Eu entrei pior e saí melhor.” Aos 15 anos, o adolescente J.J.S. fez mais do que desafiar as desbotadas estatísticas do sistema de recuperação de jovens infratores. Tomou gosto pela palavra e fez dela uma possibilidade. Ontem, diante de um auditório lotado, enfrentou a timidez e viu seu primeiro livro ganhar voo. Escrito nos dias, noites e madrugadas em que esteve como interno do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Jaboatão Centro, o texto conta uma história conhecida de todos. Que se repete, na maioria das vezes de forma perversa. Ao contrariar uma sina e “sair melhor do que entrou”, o jovem escritor mostrou que recomeçar quase sempre é uma questão de oportunidade.
Ao aceitar o desafio de desfiar sua vida em livro, o jovem diz que nem sabia direito o que isso significava. Quando entrou no Case de Jaboatão, em 8 de maio do ano passado, tinha a impressão de que ali se enterraria de vez. Seria a parte pior de uma trajetória de pequenos delitos, algumas detenções, sucessivos roubos e finalmente o assalto a mão armada que o jogou na privação de liberdade. Bastaram dois anos para que a história da criança que vivia com os avós, de casa para a escola, se transformasse na do menino que perambulava pelas ruas, depois num abrigo e por fim numa casa de internação.
Foi o desejo de conhecer a mãe biológica que fez a vida do garoto mudar de rumo. Quando completou 12 anos, ele deixou a casa dos avós, a escola, e foi viver com a mãe em outra cidade. Viciada em drogas, ela terminou expulsando o filho de casa e daí para os pequenos delitos foi um passo. “Eu passei a andar com uns meninos errados, deixei a escola, comprei uma arma na feira do troca, vivia sem pensar em nada”, conta.
Ao perder a liberdade viu nas oficinas oferecidas no Case uma forma de passar o tempo e, quem sabe, aprender algo novo. Participava de todas. Robótica, Lego, bordado, arte, capoeira, inglês e, principalmente, o ciclo de leitura, “onde eu conheci um pouco do que eu sou capaz”. E foram as horas passadas dentro da biblioteca que o levaram para perto das palavras. “A professora perguntou se eu queria escrever um livro. Eu disse que sim. Mas pensei que isso não ia dar em nada. Eu ia escrever e ficar jogado lá. Agora tô aqui, falando para um bando de gente. Incrível, né?”, assombra-se, feliz com a sua reinvenção.
Apesar do jeito encabulado, o jovem se viu falando para uma plateia atenta à sua história. O lançamento do livro ocorreu na abertura do I Workshop Internacional sobre o Desenvolvimento de Cidades da Aprendizagem, evento promovido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), no auditório da Faculdade Guararapes, em Piedade, Jaboatão dos Guararapes. O encontro reúne representantes do Brasil e do exterior para discutir experiências de cidades que se engajaram para melhorar os indicadores sociais e de educação. O Case de Jaboatão ganhou no ano passado o Prêmio Innovare pela adoção de boas práticas nos espaços de privação de liberdade para jovens infratores. Ontem a voz do adolescente e sua incursão pelo mundo das letras deram vida ao foco das discussões travadas no encontro: a educação como ferramenta de inclusão social.